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Mário Rodrigues inicia seu novo romance com um veredito estarrecedor:

"É terça-feira de carnaval, a chamada Terça-Feira Gorda. Descubro quem foi meu tio: Abel Rodrigues de Lima — um torturador."

Este é um livro de vários começos. Estive num deles, nas primeiras linhas escritas. Sim, era terça-feira de carnaval, por algum acaso não pude ir a Olinda e me recolhi em Garanhuns, a festa seria apenas televisionada, maturando uma ponta de inveja sobre foliões de tantos Brasis. Numa tarde modorrenta, entre cafés e conversas, uma tia da minha então esposa passa a falar sobre a vida de um dos irmãos. Foi militar, servira no Exército. Até aí, algo comum. E a conversa segue crescente. Era do serviço secreto, disfarçava-se de engraxate, participava de rodas de samba na busca de incautos, recebera uma medalha de honra – palavras da tia – pelos serviços prestados e chegara a ser motorista de Médici. Pergunto o nome dele e me vem: Abel Rodrigues de Lima. Bastou uma consulta rápida no Google e lá estava em todas as listas de repressores da ditadura, acompanhado de uma segunda alcunha: Cabo Foguinho.

Dali mesmo mandei mensagem para Mário Rodrigues, com algumas coisas já tiradas da internet, perguntando se ele sabia disso. Não. Nem ele e nem ninguém da família. Eu mesmo já havia ouvido algumas histórias do tio amado por toda família, desses que nos levam a fazer o proibido pelos pais. Ensinava os sobrinhos a dirigir, vendia ovos, tinha uma vida simples, ajudava como podia familiares próximos ou distantes.

Não pretendo trazer um relato inteiro sobre aquela tarde pois, à sua maneira, ela não teve fim. Talvez os fatos ali narrados, assustando toda a família Rodrigues, comecem a encontrar seus pontos derradeiros a partir desta obra, icônica, necessária e subversiva.

Sim, subversiva, inclusive sobre os caminhos da narrativa e da estética, por que não? Estamos acostumados a um determinado tipo de narrativa acerca da ditadura militar brasileira – recuso-me a grafá-la por maiúsculas, espero ter sua compreensão, leitora e leitor. – e não apenas dela, o surto antidemocrático latino-americano nos coalhou de narrativas acerca de famílias destruídas pela tortura e o exílio. Então o que fazer quando, numa família progressista, descobre-se, um dos membros mais caros desta foi um dos mais perversos algozes do mais dramático período da nossa história, ainda nos assombrando em latejos de autoritarismo mambembe?

A partir daí nos vem a figura do Autor – aqui sim grafado em maiúscula – e seus velhos dilemas, essas coisas aparentemente bestas, um constante moído ao pé da orelha. Por que escrever? Isso nos levaria a teses inteiras, sem espaço aqui para isso, então cabe um reducionismo. Escrever para não esquecer.

Ainda assim, esquecer o quê, exatamente?

Não podemos esquecer da História, e esta só é possível por terem existido indivíduos. Em carne, tutanos, quedas e quebras de ídolos, pequenas e grandes perversidades e, ainda assim, humanos para os seus. Também a História é narrada, e conhecida, por haver indivíduos com coragem suficiente para expô-la, a despeito de sua própria história individual. Não esquecer para não repetir, seja em tragédia, seja em farsa.

Nesta obra, Mário Rodrigues, trazendo o pulso narrativo elaborado em sua última obra, A Cobrança, agora enriquecido através da polifonia de tantas personagens – uma vida nunca é interpretada por uma única parelha de olhos –, expõe incômodas chagas familiares, abertas e sem suturas, justamente por não termos nossa História, como brasileiras e brasileiros, cicatrizada. Não há pontos finais sobre nossa ditadura doméstica, torturadores e algozes seguem soltos, latindo sobre terem estado em guerra, nos salvando de sabe-se lá o quê – o fantasma do comunismo é a cabra cabriola dos assépticos cidadãos de bem.

Mário Rodrigues, é um Autor o qual recusa esquecimentos, em nome da verdade histórica e de sua firmeza em acreditar nas possibilidades democráticas, trazendo o mesmo pulso narrativo elaborado em sua última obra, A Cobrança. Personagem e história que necessitava a literatura brasileira. Luta-se de várias maneiras neste mundo, principalmente na literatura. Mário nos traz uma arma poderosa aqui e ela passa pela ausência do medo em revirar a comodidade dos silêncios familiares, pois estes também são silêncios e lacunas da História.

 

[Thiago Medeiros]

 

 

O MOTORISTA DE MÉDICI

A classificação é 5.0 de 5 estrelas com base em 1 avaliação
R$ 79,00 Preço normal
R$ 59,00Preço promocional
  • Ficha Técnica

    SKU / ISBN: 9786598018436
    Título: O MOTORISTA DE MÉDICI
    Autor: Mário Rodrigues
    Selo editorial: OIA
    Categoria: Romance contemporâneo
    Idioma: Português-brasileiro
    Páginas: 200
    Idade de Leitura: 14
    Dimensões: 15 x 1.2 x 23 cm
    Brindes(s) do kit: 01 card do livro, 01 marca-página
    Publicação: 28.07.23
    Revisor: Thiago Medeiros e Andreas Chamorro
    Editor: Thiago Medeiros
    Capista: Carlo Benevides
    Diagramador: Carlo Benevides
    Direção editorial: OIA editora

  • MINIBIO

    Mário Rodrigues é contista e romancista. Graduado em Letras, possui especialização em Língua Portuguesa (UPE). Participou das coletâneas: 2020 O ano que não acabou (Editora Reformatório), Panorâmica do Conto em Pernambuco (Editora Cepe), Nós que aqui estamos (Editora Arrelique), Correio Amoroso (Editora Oficina Raquel), entre outras. Em 2016, venceu o Prêmio Sesc de Literatura na categoria Contos com o livro: “Receita para se fazer um monstro” (Editora Record), obra que também seria finalista do Prêmio Jabuti, 2017. Além de vários eventos nacionais – como a FLIP, Flipoços, Jornada de Passo Fundo, Fórum das Letras de Ouro Preto, Bienal Internacional do Livro de São Paulo –, em 2017, participou do Salão do Livro de Paris e da “Primavera Literária” (Paris-Sorbonne, França) na condição de palestrante. Em 2018, lançou o romance “A cobrança” (Editora Record).

Avaliações

Rated 5 out of 5 stars.
Com base em 1 avaliação
1 avaliação

  • Antônio Rodrigues10 de ago. de 2023
    Rated 5 out of 5 stars.
    O LIVRO DO ANO?

    Quando Carlos Chagas Costa me apresentou "O motorista de médici", ele veio logo me falar de aviso: "É de Mário Rodrigues!" Estou lendo e não consigo parar.

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