Quem vem lá é outro corpo. Não se afugente. É bravo, mas não é carranca. É mais um forjado no verso da história e cuja saliva ácida de refluxo gastroesofágico corrói as próprias gengivas. Cuja pele tem costurada nela pedaços de outros couros. Pústulas memórias. Afagos de lêndeas e parasitas. O que pode um corpo? Alguns se sujeitam mais. Vigiados por soslaios. Talvez por vontade de se preservarem ou por medo da fome. Por terem os dentes expelidos e fincados na parede a tapas de mão fechada. Por não serem comidos em pixels. Passam a duvidar das obviedades sensoriais. Viram boneca de pano no colo de alguém. Guardam desejos intocáveis e de tanto serem armário e molde de um único parceiro, ficam virgens e mudos. Cabra bom é o corrompido morto. E sabemos desde antigamente que todo corpo é vagabundo, pois tende ao vermelho do chão pra não ser mais desenhado na cabeça de ninguém e quiçá rezado por oração alheia. Mas nenhum cai em linha reta e sem escritura – há muito saracoteio antes do fim. Exceção dos que empreendem desde a invasão da terra de Nhanderu e merecem por isso, por labutar desde muito cedo, subir incólumes ao céu dos lourinhos. Outros, quem sabe arretados de nascença, já se exibem mais, se desvencilham das cangalhas, se anunciam mostrando seus bicos doloridos, seus ferros em brasa, sua presentidade. Na vogal reverberante que pinta Carlo Benevides, em sua poética descarada e não acastelada, há corpo. Pois a lógica, ou a analógica, de sua linguagem é a do grito. Da presença. Uma boca bem aberta. Uma voz que chega forte à última fila. A capacidade de fazer um cheiro rasgar os alvéolos. É preciso afinal superar de vez essa fronteira imposta que aparta carne e palavra. Essa mania de vitória de uma coisa sobre a outra. Os corpos não vencem. E também não esquecem. Os que acossam e os que são macerados. Não são donos nem pertences. Não cabem em gêneros e querem interagir, como a escrita desterritorializadora de Corpo Cáustico, que faz o leitor, numa gradação barroca, balançar na rede feita da roupa do cadáver, feita do cheiro do corpo morto, feita de segredos de cumplicidade, no lago ao largo pôr do sol. Escrita traquinas que se lança às nuvens animadas sem deixar a gramática ser um teto baixo sufocante dos elãs da infância. Carlo Benevides, na literatura brasileira, é voz dissonante que não se deixa calar.
José wildzeiss
Escritor e Editor OIÁGORA
CORPO CÁUSTICO
Ficha técnica
SKU / ISBN: 9786599643880
Título: CORPO CÁUSTICO
Autor: Carlo Benevides
Selo editorial: OIA
Categoria: Contos
Idioma: Português-brasileiro
Páginas: 174
Idade de Leitura: 16
Dimensões: 14 x 1 x 21 cm
Brindes(s) do kit: 01 cartão-postal, 01 marca-página
Publicação: 26.07.22
Revisor: José Wildzeiss
Editor: José Wildzeiss
Capista: Carlo Benevides
Diagramador: Carlo Benevides
Direção editorial: OIA editoraMINIBIO
Editor-chefe, proprietário e fundador da OIA editora, sendo um
dos autores no TIRO DE LETRA 1 e 2. Cearense desterrado em São Paulo, aos 52 anos consegue desenterrar da escuridão, com inspiração cáustica, aquilo que o vinha perseguindo há muitos anos. Dramaturgo, contista, articulista, romancista, agitador cultural e militante social, além de artista visual e design de carreira, Carlo Benevides é acima de tudo um homem/escritor que não se cala. Conhece seu tamanho, seu lugar e sua fala.Instagram